quinta-feira, 7 de março de 2013

Sacramentos e vida cristã para o Neocatecumenato

Do livro: Catequese Neocatecumenal e Ortodoxia Papal - Pe. Enrico Zoffoli

A catequese neocatecumenal, recusando o sacerdócio ministerial, exclui do conjunto dos sacramentos não somente a Ordem sagrada senão também a Eucaristia e a Penitência, identificada esta com o Batismo, indo contra o Magistério e o anátema do Concílio de Trento (DS. 1702). A propósito da Penitência é conveniente refletir sobre as seguintes posições teológicas de Kiko e Carmen:
  • a- “A Igreja primitiva não tinha a confissão [...] como nós a temos”. “A Igreja primitiva não tinha nenhuma manifestação explicita do sacramento da penitência que não seja o batismo...”.
  • b- “A conversão não é um arrepender-se do passado...”. De fato, se o pecado não é possível (como mostrei antes), tampouco o é o arrependimento. A conversão não seria um feito pessoal e voluntário de correspondência do individuo aos estímulos da graça, porque seu “valor essencial [...] é o comunitário e eclesial”, sendo “a Igreja quem comunica e conduz à conversão”. Em suma, o pecado teria “uma dimensão social, nunca individual”.
  • c- “O importante não é a absolvição”. Também esta lógica, se não há um padre validamente “ordenado”, como único ministro de penitência e do perdão de Deus. De fato, “o valor do rito não se encontra na absolvição, posto que estamos já perdoados em Jesus Cristo”. E mais expressivamente: “O perdão – na Igreja primitiva – não era uma absolvição senão uma reconciliação com toda a comunidade, mediante o sinal de readmissão na assembléia em um ato litúrgico eclesial”. Isto é compreensível se se pensa que o “ofendido” não é Deus, se não – como se supõe – a comunidade, a única portanto que pode perdoar e absolver.
  • d- A Kiko faz “quase rir pensar que é necessária somente a atrição, se te vai a confessar, e a contrição, se não te confessas...”. É evidente a perversão a respeito da doutrina de Trento (DS. 1677-1678; e cân. 5, IB 1705).
  • e- Indo contra a história das origens e da catequese dos Padres, se afirma que não é antes do século VI que se “começa a ser necessário dizer os pecados”. Isto é falso.
  • f- Se acusa ao Concílio de Trento de ensinar que igualmente os pecados veniais (definidos por Kiko como “besteiras”) são matéria suficiente de confissão; de haver generalizado “a forma de confissão privada, medicinal e de devoção”; de haver proposto “a confissão como meio de santificação pessoal...”.
  • g- Se atribui aos franciscanos e dominicanos a culpa de haver propagado “por todas as partes a confissão privada como uma devoção...”. Kiko, por conseguinte, não tolera a confissão feita “para a santificação pessoal...”. São Carlos Borromeu é condenado por haver posto “os confessionários por todas as partes [...] com detalhes, inclusive a grade”, pelo que “muitas coisas que Lutero diziam teriam seu fundamento...”.
  • h- Em suma, com o Concílio de Trento “tudo fica travado”; este representa um retrocesso na vida da Igreja, enquanto esta – segundo deseja Kiko – “caminha em direção a visões sociais e comunitárias do pecado”, inclusive sabendo que o Vaticano II e os Papas que se seguiram permanecem tenazmente fiéis à doutrina de sempre no que concerne ao sacramento da confissão (Cf Cód. De Direito Cânonico, 959-991).
  • a- A vida dos neocatecumenais não se pode chamar “cristã”, porque não está inspirada em Cristo, por eles ignorado como supremo modelo, que Seus verdadeiros fiéis sempre sentiram o dever de imitar.
  • b- O “caminho neocatecumenal” não é um verdadeiro Caminho pelo seguinte:
• Por estar desprovido de um ponto de partida, que não pode ser outro que a conversão, isto é, arrependimento das culpas cometidas, o propósito de emendar-se e fazer-se violência a si mesmo na luta contra todas as inclinações pecaminosas.
• Por estar desprovido de um ponto de chegada ou meta última que alcançar, que é a santidade do próprio estado. Segundo Kiko, “o homem não pode fazer o bem”, “está profundamente estragado. É carnal”, “é escravo do Maligno”. “Não pode senão roubar, brigar, ter ciúmes, richas, etc. Não pode fazer outra coisa. E não tem culpa disso...”. “Não se adianta nada com discursos nem com dizer: “Sacrifícios, queremos bem,
amarmo-nos!”. E se alguém o experimenta, se converte no maior fariseu...”. Precisamente como dizia Lutero: “Conformate com o que és, anjo caído, criatura estragada. Tua tarefa é fazer mal, pois teu ser é malvado”... Logo, “o caminho” parte de nada e tende ao nada.
  • c- Isto é de tal forma certa que todos os esforços são inúteis se o homem pretende evitar o pecado: “O homem peca porque não pode fazer outra coisa, porque é escravo do pecado”. Por outro lado: “Que nada se engane, quem peca é o demônio. Porque, se alguém peca, é porque o demônio está nele...”.
  • d- Pessimista é a concepção dos valores humanos, se a vida, o trabalho, a família são tidos como “ídolos”.
  • e- Jesus havia mandado odiar a pais e familiares, não se havia limitado a proibir que os preferíssemos a Ele. Uma exegese mais profunda – segundo Kiko – diz que a palavra é “odiar”, que as outras traduções não são exatas. Esta é a tradução da Bíblia de Jerusalém... A qual, sem dúvida, diz o contrário: “Hebraísmo. Jesus não exige ódio, mas desapego completo e imediato...” (Lc 14, 26).
  • f- A ética social dos neocatecumenais considera obrigatória para todos – segundo o evangelho interpretado por Kiko – a “comunhão dos bens”. “Nós não podemos nos enganar. Eu não inventei as catequeses sobre os bens. Li tudo o que o Evangelho disse sobre as riquezas: que não disse isso para as irmãs e religiosas...”.
  • g- Sobre a pobreza evangélica o problema se complica: tem de vender seus próprios bens somente o “catecúmeno”, que ainda não é cristão (ainda que o sabemos estar “batizado”!): “O Senhor te convida. Que tens de fazer neste tempo? Lhe está dizendo. Te dizemos: vender teus bens...”. Pois bem, a tal venda estão obrigados somente os catecúmenos, que no entanto não são cristãos, não havendo recebido o batismo... “Estas palavras não são para os cristãos, estão dirigidas aos catecúmenos, tudo isto está escrito para catecúmenos...”. Pelo contrário “...um cristão verdadeiro, uma pessoa transformada por Jesus Cristo pode ter dinheiro; não se trata, pois, de ser pobres, que tenhamos que ser espoliados: o cristianismo não é um estoicismo...” Kiko assegura: “Alguém pode pensar [...] que o que Jesus Cristo quer é que sejamos pobres, que nos atormentemos. Isto está em um contexto de religiosidade natural1. Em todas as religiões a pobreza é um sinal de pureza. E a riqueza é um sinal de impureza. Isto é um sentimento natural que todos nós temos...”. “Na Idade Média, quando o Cristianismo se encontra no ápice da religiosidade natural, se São Francisco de Assis não se apresenta com uma roupa rasgada, nem seu pai o escuta. Se Jesus houvesse vivido na época de São Francisco, atirariam nele tomates, porque era um comilão e um beberrão, sempre rodeado de libertinos, porque não jejuava, vivia esplendidamente, porque não se sacrificava...”.
“Dentro da religiosidade natural¹, neste mundo, é necessário atormentar-se para alcançar o outro mais além. Mas isto não é Cristianismo. Jesus não te disse vender teus bens para que, sacrificando-te nesta vida, alcances o Céu...”. “Não se trata de ser pobre... o Senhor quer que sejamos livres, que usufruamos o dinheiro, que sejamos reis do mundo...”. O léxico do Evangelho ignora e outra parte condena uma linguagem deste gênero. Kiko, que se confessa “cristão”, ou seja batizado, deveria ter também lido a São Paulo: “Pelo batismo somos, portanto, sepultados junto com Ele na morte...” (Rm. 6, 4); “Estais mortos, e vossa vida
está escondida com Cristo em Deus [...]. Mortificais vossos membros terrenos” (Col. 3, 3.5). De fato, “os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências” (Gal. 5, 24). Porém desgraçadamente Kiko insiste: o “A espiritualidade cristão não é do tipo estóico e andrajoso.” o “Jesus Cristo não quer que vivas abaixo de uma ponte na intempérie. Porque Deus é amor. E tem um amigo que se
chama Zaqueo, que tem uma casa extraordinária. E Jesus vai passar uma temporada em Betânia com seus discípulos...”, aos quais diz: “Comam, bebam, e aproveitem-se quanto podem...” o “O Cristianismo é uma cerimônia nupcial. Jesus Cristo não quer gente que se sacrifique, inclusive se houve uma época muito religiosa, na qual tivemos um cristianismo muito masoquista, de sacrifício...”.
  • h- À caricatura e paródia da pobreza evangélica Kiko acrescenta a condenação da ascética em geral, e conseqüentemente, de todos os santos que a praticaram: o “O sentido da Cruz” não é “o sentimento da religiosidade natural, como o crêem quase todos os cristãos. A vida não é uma prova com duras cruzes que devemos suportar para ver se depois ganhamos o Céu. “Tem de sofrer!” diz a pessoa religiosa, assim como Cristo subiu à Cruz, Deus me manda cruzes para que eu também sofra. Quem diz isto não entendeu nada do Cristianismo. Isto é masoquismo, estoicismo, não é cristianismo...”. o “O pobre Jesus pensará no Céu: com tudo o que eu sofri para que estes pobrezinhos não sofram e que estejam felizes! Veja: passam a vida sofrendo...”. o “Então eu já não sei que vantagens trouxe o Sangue de Cristo. Jesus Cristo deu seu Sangue, carregou com a Cruz para que tenhamos a vida eterna mas para ter esta vida eterna parece que seu Sangue não conseguiu muito, já que as pessoas continuam disciplinando-se, atormentando-se, conformando-se.

Mas se uma gota do Sangue de Cristo vale mais que todos os pecados da Humanidade...”. o “Se Ele precisamente [...] carregou sobre si nossas culpas, nossos pecados, para que pudéssemos viver uma vida
livre...”. “Jesus Cristo sofreu para sempre o que nós teríamos de sofrer”. Não podia ser mais irreverente e anti-evangélico esta desfiguração (corrupção) do dogma da Redenção!...
  • i- É lógica esta interpretação hedonista da vida cristã. Devemos ser agradecidos ao Crucificado porque, com Sua Morte, nos evitou os sofrimentos da vida. Na Igreja Ele fica somente como uma recordação que nos estimula a se alegrar não a sofrer. É por isto, pelo que o culto deve desenvolver-se em um clima de festa e de alegria, inspirado no acontecimento da Ressurreição, no definitivo triunfo da vida. “O sacerdote no Cristianismo não existe, os templos não existem, os altares não existem. Por isso o único altar do mundo, entre todas as religiões, que tem mantas sobre a mesa é o cristão, porque não é um altar senão uma mesa [...]. E um altar não pode ter toalhas, é para fazer sacrifícios de cabras e de vacas...”.
  • j- Desgraçadamente a teologia neocatecumenal deixa em segundo plano a finalidade da Paixão e Morte de Cristo. Se, como sustenta, Ele não Se ofereceu como Vítima pelos pecados do mundo, sacrificando-se na Cruz, porque morreu? Como poderemos explicar a Ressurreição se não se devesse ao mérito infinito de Sua obediência ao Pai que em Cristo quis, satisfeita sua justiça, redimir ao homem, revelando-lhe toda Sua misericórdia?...
Nota: 1- O pretendido contraste entre religião natural (ou religiosidade natural) e o Cristianismo constitui um dos pontos mais obscuros e insustentáveis da catequese de Kiko, que mostra ignorar até o sentido dos termos. A ele e a seus discípulos seria preciso recordar, entre outras coisas, que a natureza não se opõe à graça, nem a fé à ciência, nem a ciência à filosofia, nem a filosofia à teologia, nem a teologia à Revelação, nem a Antiga Aliança à Nova Aliança. Jesus não venho abolir, mas para aperfeiçoar, não para condenar senão para redimir. Como Verbo, no qual e para qual tudo foi feito, Ele é o Mediador universal que reconciliou tudo e a todos com o Pai, Suprema origem de todos os bens.

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