A conferencista, ao expor a idéia que a
Igreja primitiva possuía do Sacramento da Penitência, num primeiro
momento, se aproxima do que disse o Papa no Motu Próprio citado,
omitindo, porém, um ponto capital que o Papa manteve: a confissão dos
pecados.
“E assim dizemos que a Igreja
primitiva não teve a confissão como a temos hoje, mas que houve a
essência do Sacramento da Penitência que é a conversão, o perdão dos
pecados” (p. 126).
Kiko vai debochar das pessoas simples, dizendo:
“(..) as pessoas pensam que mesmo o confessionário foi inventado por Jesus Cristo” (p. 143).
Mais adiante, todavia, a expositora afirma algo que contraria frontalmente o que o Papa afirmou em seu último Motu Próprio:
“A igreja primitiva considerava os pecados de morte — [o pecado mortal?] — quase que unicamente a
apostasia, ou seja, a negação do caminho ou a saída dele, porque o homem
durante o Caminho é fraco e cai, mas sem sair do Caminho”(…) Por isso, a
Igreja primitiva não pôs o exame de consciência no final do dia, como
foi mais tarde introduzido pelos jesuítas, e sim, de manhã, ao
levantar-se, porque converter-se é se colocar diante de deus quando se
começa a caminhar” (p. 128).
Os cristãos da Igreja primitiva corriam o
risco de morrer na arena, caso não apostatassem. Era natural então que
essa fosse a sua grande prova, a sua grande tentação: a de apostatar.
Isso lhes era um risco maior do que qualquer outro pecado, daí
ressaltarem a importância desse problema. Mas isso não significa que os
cristãos das catacumbas considerassem o adultério, por exemplo, um
pecado leve.
Carmem sustenta que a Igreja primitiva
tinha uma noção de pecado totalmente diversa da atual, e por isso sua
concepção do Sacramento da penitência tinha que ser necessariamente
diversa.
“A Igreja primitiva considerava os pecados que não significavam sair do caminho – [todos os pecados, fora a apostasia] — como frutos da
fraqueza humana, como próprios de um homem que está a caminho para a
plenitude que não tem ainda, mas pela qual já se sente atraído, porque
tem a certeza dela, porque é testemunha da santidade de Deus, que é
absoluta. Na Igreja primitiva, com este conceito de pecado, era muito
difícil que os batizados entrassem novamente em pecado; por isso a
Igreja primitiva não tem nenhuma explicitação do Sacramento da
Penitência que não seja o Batismo” (p. 128).
A líder neocatecumenal começou afirmando que a Igreja primitiva tinha “a essência do Sacramento da Penitência que é a conversão, o perdão dos pecados”. Agora, ela nega que houvesse sequer a explicitação do Sacramento da penitência na Igreja primitiva.
Mais ainda: ela afirma que a moral da
Igreja primitiva era diversa da moral posteriormente ensinada e exigida
pela Igreja. A Igreja primitiva teria outra noção de pecado mortal. Para
ela, pecado mortal era só a apostasia.
Influenciada pelas doutrinas
anticonstantinianas e modernistas do padre Louis Bouyer, e fiel a seu
conceito historicista e evolucionista, Carmem vai repetir os ataques à
Igreja institucionalizada, que teria surgido com a libertação da Igreja
pelo Imperador Constantino.
“Vocês devem explicar um pouco como
com Constantino entraram na Igreja as massas, perdendo-se nela um pouco o
sentido a comunidade. Não se vê mais uma comunidade que caminha em
constante conversão pelos impulsos do Espírito Santo. Vemos, sim,
pessoas que pecam individualmente, que são absolvidas individualmente,
e, em seguida, vão comungar… Mas toda uma comunidade em conversão, que
se reconhece pecadora, não a vemos” (p. 145).
“Depois, com coisas muito graves como o homicídio e, o adultério público, que eram considerados de morte – [pecados mortais] — quando a Igreja se institucionaliza um pouco, aparece a instituição penitencial” (p. 128-129).
Carmem opõe duas igrejas: uma igreja
sacramental e uma igreja jurídica. Para ela, a Igreja primitiva era
sacramental, não jurídica, carismática. Com Constantino, a Igreja se
institucionalizou e se tornou jurídica. Daí a noção de culpa teria se
tornado legalista e moralista. Pecado seria, desde então, uma violação
da lei, exigindo uma punição legal.
“Na igreja primitiva, a primeira
explicitação daquilo eu podemos chamar de Sacramento da Penitência para
os batizados que, depois de terem seguido o Caminho o abandonam, é a excomunhão,
porque a Igreja não é uma coisa jurídica, mas sacramental. Não se pode
compreender a Penitência sem uma noção sacramental da Igreja. Se
passarmos para uma visão jurídica da Igreja, como acontecerá depois, a
penitência adquirirá, também ela uma dimensão jurídica” (p. 129).
Toda essa concepção é absolutamente
gratuita, sem ter qualquer correspondência com a realidade. Por exemplo,
Deus, no Sinai, deu uma lei. Impôs os dez mandamentos ao povo eleito.
Seria essa uma noção carismática ou legalista e jurídica?
E Carmem – que dá absoluta importância à
noção da Páscoa judaica, dizendo que é ela que subjaz à Eucaristia
católica –, Carmem não poderá deixar de reconhecer que esta é uma noção
jurídica.
Por que ela prefere, na Penitência, uma
noção não jurídica? Por que essa diferença entre a Eucaristia e
Penitência em sua relação com o judaísmo?
Mistério…
Continua...